Lucilene Sander*
O período de
final de ano é geralmente marcado por reflexões, balanços sobre o que aconteceu
ao longo do ano que finaliza e também por picos de sofrimento entre pessoas que estão
emocionalmente fragilizadas. É que somos seres sociais e relacionais,
precisamos da companhia, do afeto e da compreensão de outros. No entanto, muitas
vezes não se tem isso ou se tem superficialmente, ou ainda, se tem com
dificuldades. Por quê? Uma possível resposta é: por que as relações afetivas
são construídas, exigem cuidados, sendo que muitas vezes são vistas como naturais.
Na
relação pai-mãe-bebê isso não é diferente e há diversas teorias psicológicas
que tratam do assunto. A critério de exemplo, já na primeira metade do Século XX, Jhon Bowlby
estudou e publicou sobre o desenvolvimento do apego na relação
mãe-bebê** e o impacto do seu não desenvolvimento; Donald W. Winnicott publicou sobre o desenvolvimento de mães suficientemente boas e não
suficientemente boas, sobre o adoecimento emocional de mulheres pré e pós-parto; Jacob Levy Moreno considerou a capacidade de cuidado emocional da mãe com o bebê como diversa e
tebdo impactos na configuração familiar, inclusive falou do desenvolvimento dos papéis de mãe e pai; Lev Vygotsky abordou a influencia da história, da cultura e do meio social sobre o desenvolvimento da relação e do cuidado com os bebês. Enfim, há outros tantos teóricos na Psicologia e outras
áreas que, mesmo com diferentes conceitos e compreensão
filosóficas, possuem alguns pontos em comum: todos consideram que a relação
afetiva, o vínculo, o apego, o amor dos pais com o bebê é um processo, é
desenvolvido, não é naturalmente incondicional (como se fosse algo que se tem
desde sempre). Entramos aí na velha e ainda atual discussão sobre o mito do
amor materno...
Iniciada por Elisabeth Badinter, essa discussão considera a existência de relações de opressão da mulher nos discursos que abordam o amor materno como naturalmente existente e incondicional, uma vez que essa forma de pensar nega as situações de sofrimento que muitas mulheres vivenciam no processo de gestação-parto e nascimento e qualificam como má a mulher que tem dificuldades no cuidado ou na vinculação com seu bebê. Além disso, também desqualifica as mulheres que não querem, não conseguem ou tem dificuldade para engravidar, afinal, compreende que seus corpos são feitos para reproduzir e esse é o desejo principal de todas as mulheres, se não, há um desvio. Essa opressão também é vivenciada de diferentes formas pelos homens que podem, por exemplo, serem excluídos do processo por esse ser visto como naturalmente de responsabilidade da mulher.
Outra
característica comum e importante das teorias é que todos, em alguma medida, consideram o histórico de vida da
mulher e as relações afetivas e sociais dela como facilitadoras ou não do
desenvolvimento da relação com o bebê.
Qual a importância
disso?
Ao entendermos que a relação dos pais com seus filhos é construída e não
algo existente naturalmente desde sempre, homens e mulheres podem respirar aliviados e
sair de um ciclo de culpa por encontrarem dificuldades na relação com a gestação
ou com o bebê. A partir disso, sabendo que a maternidade e a paternidade não
são necessariamente ou sempre um mar de rosas sem espinhos, também podem pedir
e buscar ajuda em relação às dificuldades.
Outra contribuição é que também as equipes e os profissionais
de saúde que acompanham a mulher, o casal ou a criança durante a gestação,
parto, pós-parto imediato, puerpério e demais fases podem repensar práticas de atenção,
suporte e apoio para facilitar o desenvolvimento do vínculo nessas relações.
Nesse sentido, existem diversos estudos (deixei links de alguns ao final do
texto) que comprovam que práticas de humanização na atenção da saúde
pai-mãe-bebê são mais eficazes na promoção do vínculo nessas relações, tem consequências
importantes na saúde física e emocional da família e especificamente no
desenvolvimento do bebê. Aqui cabe ressaltar que também há estudos que
comprovam que o parto humanizado, seja ele cirúrgico-cesáreo ou normal, também facilita o desenvolvimento vincular
entre mãe-bebê. No entanto, é consenso que o parto
normal humanizado ainda se sobressai como mais facilitador em função da
liberação natural de hormônios e neurotransmissores que estimulam a recepção
positiva do bebê, pelo envolvimento e vivência ativa no processo de parto e
nascimento, pelo incentivo à amamentação poder começar mais cedo, pela
disponibilidade física da mulher no pós-parto imediato, uma vez que não precisa
se recuperar da anestesia e não está em um processo pós-operatório, bem como outros fatores. Desse modo, a atenção afetiva e sincera da equipe de
saúde, bem como o processo e via de parto podem facilitar a vinculação
pai-mãe-bebê.
Além disso
tudo, ao saber que é importante dar suporte para homens e mulheres no
desenvolvimento de suas relações com o bebê, a família e a comunidade podem se
aproximar dos pais, formar redes de suporte, troca de experiência e afeto (o
que por sinal é um dos objetivos do Gesta!). Então, que tal aproveitarmos essa
época do ano, que é tão convidativa para balanços e para se ter relações mais próximas e
afetivas, para repensarmos práticas e sermos mais afetivos, compreensivos conosco e com os outros,
principalmente com gestantes, pais e mães que estão desenvolvendo suas relações
com seus bebês e filhos? Vamos facilitar o desenvolvimento de vínculos
emocionais e relações afetivas saudáveis?
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* Psicóloga graduada pela
Universidade Federal de Santa Catarina, mestra em Desenvolvimento Regional pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professora de Ensino Superior e
Psicóloga Clínica.
** Embora historicamente os
autores e autoras da Psicologia focassem a mãe, atualmente a Psicologia também
considera a relação pai-bebê, compreendendo que essa também é significativa na
configuração familiar e no desenvolvimento emocional do bebê. Além disso,
também se fala da relação cuidador-bebê, em função da multiplicidade das
configurações familiares.